31 julho 2008

Talvez...


Palavras.
Imagens.
Palavras de imagens.
Imagens de palavras.
Conjuntos subordinados de palavras, estigmatizados por adversativas suspensas nas reticências que buscam alvos de hipóteses profundas, que talvez uma imagem possa caracterizar…
São conjuntos complementares de imagem e palavra.
Afinal a complementaridade em algum caso havia de ser possível.
Talvez a vida se assuma derrotista e amargurada.
Talvez a vida se erga da mais intensa penumbra.
O escuro, a claridade.
A noite, o dia.
O silêncio, o ruído.
O abismo, o solo firme.
O vazio, o atestado.
São estes reveses, estas pequenas (grandes) dualidades da vida que nos encontram singulares, nos transformam e nos fazem adoptar uma postura plural.
E aquando plurais, tantas vezes nos voltamos singulares…
(Quando tudo se perde.)
Quando isso não acontece, tornamo-nos um só. Tal como nas fábulas que nos habituamos a escutar sem questionar.
Estórias eternas, que já não se provocam, nem tão-pouco se intensificam.
Resvalam-se com o tempo. Têm um fim antecipado e tremendamente impetuoso. São fenómenos intransponíveis. Quem os entenderá?
Provavelmente, ninguém. Talvez nem sequer seja suposto.
O termo ‘fenómeno’ avança consistente enquanto resposta.
O nosso ciclo de vida é um vício. Ou, por outro lado, um vicioso círculo.
Debatemo-nos com o vazio e a multidão.
O uno, o duo, o nada…
Somos um.
Somos dois.
Somos vários.
Somos um real nada. E assim nos transformamos (em nada), tal como no princípio tudo.
São admiráveis os (re)começos.
Começar tudo de novo dá-nos o poder da renovação.
A cada dia que passa renovamo-nos…
É esse dom que nos permite evoluir enquanto seres
(que somos, sem ser…)
É essa suave ilusão que nos torna reclusos da vida.
Talvez seja mais importante existir desmedidamente do que ser alguém…


A PROPÓSITO... FAZ HOJE 3 ANOS QUE O «VIVEMOS DE MOMENTOS» NASCEU!

28 julho 2008

Fases de mim


Reconheço o som dos passos ao longo do caminho.
Acostumei-me a ouvir os meus, os teus e os dos seres que não sabia que pudessem ser vida…
Entre passos mais ou menos alinhados e despreocupados, caminhava feliz.
Se sigo um caminho, outros ficam para trás, mas não me importo de encontrar o imprevisto.
A luz que me guia é forte demais para não ser seguida.
Ela aquece os dias mais tortuosos e insólitos.
Percorri horas e horas o mesmo caminho, ou os mesmos caminhos. Não me cansava de existir ali. A brisa do mar beijava-me o rosto vagarosamente.
O sol iluminava os meus dias…
O vento encrespava os cabelos rebeldes…
A convivência era amena e desperta.
A amizade toldada.
E a solidão verdadeira.
É dessa surrealidade tão pura que falo.
Encontro poucas palavras para expressar as minhas utopias revoltas.
Apenas me ocorre oferecer as minhas memórias.
Memórias dum manto verde emergido do profundo azul do oceano.
Cada ser que me rodeava era assumidamente tranquilo, apesar do ruído que isso possa representar.
O tempo para… era sempre depois.
Ainda hoje acho que não me enquadrei no fuso horário correspondente à minha presença evidente aqui.
Devo ter amado (n)esse recanto encantado…
A simplicidade evidente, pode constituir motivo pertinente, bem sei.
Será a simplicidade mais ou menos (des)valorizada?
Quem a condena?
Quem é capaz de a subtrair?
Existirá, a perversa?
O convívio com ela tornou-se banal e desfasado.
É uma hipótese.
Era capaz de me adulterar para voltar a esse ninho caprichoso.
Que vício, esse meu, de me torturar e de me fazer perder junto das minhas paixões…
Sou fruto delas.
Sou filha delas, ainda que, inadvertidamente.
Que inconsequente, sou.
Um dia vai parar esta existência mendiga, esta existência menina mulher.

22 julho 2008

Vens?

Já não encontro o tempo que devia existir entre nós.
A distância vulnerabiliza-me os sentidos.
Inviabiliza os meus pensamentos e prende os meus movimentos.
É de prisão que falo, uma prisão voluntária.
Sou prisioneira duma devassa vontade de te viver.
Do teu toque pouco recordo.
Foi acanhado, quiçá contrafeito...
Parece que a hora de visita, desta vez é mais dolorosa de ultrapassar.
Vens? Vens mesmo?
Por mais que te tenha por dúvida, por mais passageira que seja a tua demora, agarro-me ao sentir desses braços que me enlaçam a alma docemente.
A tua postura é ausente, escrava da tua vida.
Aí, já nem eu sei quem realmente precisa soltar-se das amarras, das algemas impunes e inquisidoras da vontade de ser.
Ser alguma coisa.
Quero ser fantasma, quero ser levada até ti.
Percorrer-te a vida sem limitações, sem demoras.
Sonho-te minha autoridade divina.
Faz-me deusa dos teus intentos.
Acha-me, vã esperança,
Que o esgar latente do meu rosto apenas tu tens o dom de decifrar com clareza.

21 julho 2008

"Lembro-me bem do seu olhar"


Lembro-me bem do seu olhar.
Ele atravessa ainda a minha alma,
Como um risco de fogo na noite.
Lembro-me bem do seu olhar. O resto…
Sim o resto parece-se apenas com a vida.

Ontem, passei nas ruas como qualquer pessoa.
Olhei para as mostras despreocupadamente
E não encontrei amigos com quem falar.
De repente vi que estava triste, mortalmente triste,
Tão triste que me pareceu que me seria impossível
Viver amanhã, não porque morresse ou me matasse,
Mas porque seria impossível viver amanhã e mais nada.

Fumo, sonho, recostado na poltrona. Dói-me viver como uma posição incómoda.
Deve haver ilhas para o sul das coisas
Onde sofrer seja uma coisa mais suave,
Onde viver custe menos ao pensamento,
E onde a gente possa fechar os olhos e adormecer ao sol
E acordar sem ter que pensar em responsabilidades sociais
Nem no dia do mês ou da semana que é hoje.

Abrigo no peito, como a um inimigo que temo ofender,
Um coração exageradamente espontâneo,
Que sente tudo o que eu sonho como se fosse real,
Que bate com o pé a melodia das canções que o meu pensamento canta,
Canções tristes, como as ruas estreitas quando chove.

Álvaro de Campos heterónimo de Fernando Pessoa

Musical(idades)...

Preciso não dormir até se consumar o tempo da gente
Preciso conduzir um tempo de te amar
Te amando devagar e urgentemente
Pretendo descobrir no último momento
Um tempo que refaz o que desfez
Que recolhe todo sentimento e bota no corpo uma outra vez.

Prometo te querer, até o amor cair doente
Doente
Prefiro então partir a tempo de poder
A gente se desenvencilhar da gente.

Depois de te perder, te encontro com certeza
Talvez no tempo da delicadeza
Onde não diremos nada, nada aconteceu
Apenas seguirei como encantado ao teu lado.

Cristóvão Bastos / Chico Buarque

09 julho 2008

Curta-metragem


Digam-me que estou no meio de uma plateia dum filme.
Digam-me que este é um filme de comédia, salpicada de momentos de drama.
Digam-me que esta personagem principal não sou eu.
Digam-me que esta é uma personagem dramática e subversiva desenquadrada da realidade.
A ficção bate à porta alternadamente.
Qual o modelo de desfasamento entre a realidade e o imaginário?
O terror socorre-me a expressão facial, do mesmo modo que a vida me é tirada.
É apenas uma história peremptória e preambular a que vivencio.

Serei uma estória efémera e inconclusiva?

08 julho 2008

Aglomerado de emoções


O tempo contigo tem sido severo.
E inexistente fisicamente.
A cumplicidade que temos é determinada.
Beijo-te a pele quente cuja temperatura se deve à proximidade que imiscuímos.
Não sei desejar-te sem loucura.
Não sei pensar-te sem ternura.
Enquadro-te num imaginário surrealista.
Pois é assim que em mim te represento.
És filho dum sonho para sempre inacabado...
Intuo-te perfeitamente.
Estás num deserto de vida.
Coordenas o teu respirar no balanço da brisa marítima.
Os rochedos que te encontram são inibidores da tua força hérculea.
Retraem-te da proximidade difusa do mar.
Queres voar, mas não tens asas...
Nadas, mas não podes ir longe.
Cruzas os braços em sinal de misericórdia e redenção.
O teu espaço circunscreve-se à redundância de vontade.
Agarro-te ferozmente a boca e já não largo o teu pescoço e o teu cabelo.
Céus... como me faz sentir...?!
Num delírio vão e persistente...
Delicio-me.
A minha língua desmaia na tua.
São os teus lábios que a reanimam...
Que lhe dão vida...
Registas réstias impacientes de desejo e cedes aos espasmos eléctricos dum corpo que autónomo te obedece.
Palavras para quê?
Castiga-me.
Obriga-me a não te esquecer.
Recupera a vida que me espera.
Verbaliza-me a alma...
Ostraciza-me o pudor...
Negligencia o meu poder.
E espera-me sempre...
Grata por te ter encontrado.
Realeza divina.
Ouve o meu sentir através do meu olhar.
Permite-me carregar-te no colo voluptuoso que alimentas.
Excede a minha fúria sinistra carnal.
Mata-me lentamente.
E, vagarosamente entrega-me o teu céu.

07 julho 2008

Nada de nada...


- Nada. Simplesmente nada.
- O que é que se passa?
- Exactamente isso: Nada. Já disse.
- Isso é bom, mau ou assim-assim?
- Assim-assim a cair ora para o bom, ora para o mau.
- Convives bem com o nada?
- Sim.
- Mas não é o que parece…
- O nada é isso mesmo. Não parece, porque não existe.
- O que é que não existe?
- Muita coisa.
- Então o ‘muita coisa’ também pode ser nada?
- Há múltiplos de ‘nadas’, que para muitos são tudo.
- Não seria mais fácil?
- Seria pois, mas não consigo viver de aparências.
- Opção?
- Não. Essência.
- Vives de nada?
- Não. Vivo de pedaços de nada.
- Como por exemplo?
- Solidão, silêncios, olhares, sorrisos, pausas, o simples respirar…
- Não te amedronta viveres em constante solidão?
- Não. É dado adquirido. Nada mais me pode acontecer abaixo disso.
- És feliz?
- Não. Tenho momentos de felicidade.
- És do contra?
- Quando considero ser apropriado.
- Nunca mudas de opinião?
- Apenas se outras visões do assunto me fizerem concordar que são possibilidades a admitir.
- Quanto pedirias por ti?
- Nada.
- Porquê?
- Porque não estou à venda.
- És sempre assim?
- Sempre.
- Isso é bom ou mau?
- Bolas… não sei.
- Obrigada pelos esclarecimentos.
- De NADA.